Segue algumas perguntas que a Tathiana Maria aqui do Rio fez no começo do ano pra alguns tracers. A finalidade era fazer um artigo relacionando comportamento de tribos urbanas, parkour e consumismo. O artigo ficou muito interessante, e eu achei que seria válido postar minhas respostas que enviei por e-mail pra ela.
Idade e o que você faz
Me chamo Lucas Oliveira Mourão, tenho 19 anos e estudo Medicina. No parkour fui apelidado como Sapo.
O que é o parkour para você?
Parkour pra mim é tudo e nada ao mesmo tempo. Ele representa tantas coisas na minha vida e na minha personalidade, que acredito que qualquer definição não faria jus. Ele já faz parte de mim de um modo tão intenso que não chego sequer a pensar “vou treinar parkour”. Penso simplesmente “quero chegar até ali”, “quero subir até aquele ponto”, ou na maior parte do tempo “quero viver cada momento com a atenção que ele merece… quero ser simples e ao mesmo tempo eficiente”, “quero aproveitar ao máximo minhas possibilidades humanas”. Por que mesmo quando você não se locomove em um percurso onde existem pulos e muros para subir, você, como tracer consciente do que faz, pratica parkour. Recentemente li um texto de um traceur que treinou com Stephane, e ele relatava que ficou maravilhado com a forma do Stephane Vigroux andar na rua! Ele sempre buscava a forma mais benéfica de caminhar e desviar das pessoas e objetos. É justamente esse o maior treino de um tracer: a ausência de obstáculos visíveis.
Muitas vezes o treino real é um esforço de superação e aprimoramento pessoal em outros campos da vida. É uma jornada silenciosa para tornar-se uma pessoa melhor: melhorar a forma como se relaciona com os outros, a forma como aceita a si mesmo (até mesmo como um meio para o auto-conhecimento, pois é preciso se conhecer para poder vencer as próprias limitações); a forma como vê o estudo/trabalho; e até a busca da sua missão, daquilo que você quer deixar no mundo.
Uma forma interessante de pensar o parkour seria uma maneira de ver o mundo como um terreno de possibilidades. Não só possibilidades de movimentação, mas todas a possibilidades de superação pelas quais sua alma anseia. Nessa busca pela liberdade um traceur acaba inspirando e ajudando muitas outras pessoas. Por que de fato existe alguma coisa bela no ato de se superar, de encarar seus demonios (medos e inseguranças) internos. Não é facil pra ninguem treinar o verdadeiro parkour, e nem deve ser. Pois é superando estas dificuldades que um tracer mostra que é possível ser melhor, que os limites são ficções da sociedade, e que todos podemos fazer dos nossos sonhos realidade, e acreditarmos e nos dedicarmos a eles.
Por fim, acredito que parkour é só um nome. Acho importante sabermos suas origens: o método natural de educação física, os treinos do pentatlo do exercitos francês e toda a decicação do pai de David (Raymond Belle) para definir o principio básico de movimentação eficiente e “ser forte para ser útil”. Mas não podemos nos limitar a um molde, a movimentos pré-determinados que vemos nos videos antigos do David Belle (embora inicialmente a disciplina tenha surgido a partir disso). Devemos entender parkour como nossa forma de liberdade de crença em nós mesmo.
O que você acredita que outras pessoas pensam sobre o parkour?
Os não-praticantes de parkour reagem de diversas formas.
Tem aqueles que estão dispostos a nos ouvir (estes são em número cada vez maior, talvez pela divulgação, ainda que precária, feita pela mídia), e procuram entender os principios básicos. Estes muitas vezes acabam se mostrando maravilhados com as possibilidades do parkour.
Tem também os que, infelizmente, são a maioria… Os que ou dizem que “ isso é treinamento pra bandido!” ou “ isso é coisa de maluco! Você vão se quebrar fazendo isso!”. Estas pessoas, ao meu ver, ou não tiveram oportunidade de saber o que realmente é o parkour, ou até tiveram essa oportunidade mas escolheram continuar ignorantes em relação ao assunto.
No final das contas é um questão de personalidade. As pessoas que tem mais segurança em quem ela são e se acham livres pra ter suas próprias ideias acabam aceitando o parkour como algo importante e que merece respeito. As pessoas que não se sentem tão seguras quanto sua personalidade (acham que tem que viver segundos moldes sociais, com medo de serem chamadas de estranhas) tendem a discriminar o prática do parkour antes mesmo de ouvirem o que os praticantes têm a dizer.
No One giant leap, o Bacon falou sobre a ideia do traceur se tornar autônomo, e de que as coisas (produtos) não fazem um traceur, mas o traceur que faz o parkour, e falou sobre o mundo que se quer deixar daqui para frente.
Que tipos de roupas/produtos um traceur não usaria/compraria?
Isso depende muito. Existem traceurs e traceurs. Por mais que o principio básico do parkour seja “ser forte para ser útil”, o que incluí ser um cidadão responsável, muito pouco da filosofia do parkour é discutida durante os treinos. Dessa forma, é possivel que um praticante que vai nos treinos continue sendo ignorante em relação ao aquecimento global e a várias questões sociais. Acho que a pergunta que devemos fazer é: este praticante, que vai nos treinos com frequência e progride, mas não pensa sua vida toda como sendo um treino, e não tem consciência ambiental, ele epode ser chamado de traceur?
Sob o ponto de vista da filosofia do parkour, diria que ele não é um verdadeiro tracer.
você acredita que tenham produtos ou serviços que sejam exclusivos de um traceurs (se sim, diga quais)?!
Não acho que nada no mundo seja exclusivo dos traceurs. Nem acho que nada deveria ser exclusivo. Somos todos seres humanos com os mesmo direitos sobre a terra, mesmo que muitos ainda não tenham descoberto uma forma de se expressar e ser livre (incluindo milhares de atividades além do parkour).
Você acredita que a prática do parkour serviria como resistência ao consumo?!
Nenhum traceur deixa de ir ao super-mercado, nem de comprar roupas, assinar tv a cabo e internet banda larga. A simples prática do pakour como atividade física não reflete atitudes de responsabilidade ecologica ou anti-materialistas. Mas possibilita espaço para a reflexão (como o discurso do Bacon no One Giant Leap) e talvez diminuição do consumo de certos produtos.
Não sei se você se lembra de uma campanha da Armadillo em 2007 junto com a Tobu. Eles criaram uma coleção outono/inverno "inspirada" na prática do parkour. Você lembra ou sabe desse assunto?! O que você pensa sobre a utilização do parkour associado a uma marca de roupas?!
Eu cheguei a saber dessa campanha e até vi umas fotos… Sou meio suspeito pra falar de qualquer coisa que envolva moda, por que eu simplesmente não suporto! Mas acho que no final das contas a maioria das campanhas que usam o nome “parkour” ou “free running” só visam atingir um público maior, com um assunto que infelizmente virou moda. Infelizmente porque a forma de divulgação predominante não fala dos preceitos verdadeiros e transmite a imagem de pessoas sem juízo que um dia resolveram sair pulando prédios!
Mas recentemente estão surgindo formas de divulgação mais comprometidas com o verdadeiro parkour e marcas ainda não totalmente voltadas para o parkour, mas que são em grande parte usadas pelos praticantes, como o exemplo do tennis Kalenji e do Vibram Five Rangers (sem querer fazer propaganda!).
Sapo (May the flow be with you!)
Satisfação
Há 14 anos
Fico feliz por você ter colocado isso no seu blog.
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Very good sapo, to sempre aqui nas suas Upgrades.
ResponderExcluirInteressantissimo. Abre os olhos pra muitas coisas que pessoas que se consideram traceur nem se quer pensam
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